Era 24 de dezembro de 2014, como todos os anos a cozinha parecia mais pequena naquele dia, é o que dá viver numa casa onde os tachos e as panelas sempre foram sinónimo de entusiasmo. As couves estrategicamente colocadas num alguidar com água já tinham chegado pela mão da avó, o bacalhau já demolhado pela mãe, a mana mais velha, que já antevendo o futuro, coordenava os cozinhados, as minhas mãos já misturavam açúcar com canela, porque independentemente do doce que se fizesse, era nessa combinação que ia acabar e a mana mais nova entretinha-se a finalizar as decorações… estávamos todas por ali, acalentadas pelo conforto das chamas da lareira, cautelosamente mantidas pelo pai.
Apesar de não ser tradição na nossa zona comer-se polvo na noite ou no dia de Natal, tornamo-la nossa, tradição de família, desde há muitos anos e por isso, o polvo que serviria para a entrada da nossa ceia, também ele, já estava na panela de pressão. Era uma manhã igual a todas as outras de véspera de Natal, deixámo-nos levar pelos afazeres e embora houvesse uma partilha de espaço, não sei se tínhamos todos consciência de que ali estávamos e do motivo que nos trazia a tal azáfama. Foi então que a panela explodiu…
Quis o acaso, ou Deus – certamente Deus – que segundos antes da explosão que nos podia ter deixado a todas com queimaduras de elevado grau, saíssemos da cozinha por razões diferentes. Tenho os gritos da minha mãe a ecoar enquanto escrevo, consigo ver o fumo que na altura não me o permitia fazer e o cheiro intenso que emanou pela nossa casa durante meses, às vezes parece ainda lá estar. O fogão para cozer as couves e o bacalhau abateu, tivemos de desligar o quadro da luz porque o candeeiro da cozinha tinha ficado completamente destruído, já não havia doces, as decorações foram substituídas por limpezas e por breves momentos pareceu já não haver Natal.
Foi então que tomamos consciência uns dos outros e do verdadeiro milagre que tinha acabado de acontecer…a nossa casa depressa se encheu de vizinhos que nos vieram ajudar, perdi a conta aos tabuleiros de comida que nos trouxeram e os abraços (desses que quase já nos esquecemos) eram mais intensos do que nunca. Tudo à nossa volta, de forma muito repentina, nos focou para o essencial: estávamos Vivos, estávamos Juntos ainda que Frágeis, tal como o Menino o foi na manjedoura na noite em que nasceu e Plenos, por termos testemunhado o milagre da vida como os pastores o fizeram em Belém, 2000 anos antes.
Até 2014 a véspera de Natal na nossa casa traduzia-se a stress e anseio pela perfeição de uma mesa recheada, mas nesse ano ganhou um outro sabor. E quando vejo que em tantas outras casas, com tantas outras famílias o foco continua a estar na mesa, ou nos presentes, ou em quem montou a árvore mais luminosa, lembro-me sempre das palavras de Jesus a Marta (LC,10 41-42), quando esta contestou o facto da irmã não a estar a ajudar: “Marta, Marta! Preocupas-te e andas agitada com muitas coisas: porém uma só coisa é necessária!” … que O saibamos aproveitar!
Um Santo Natal a todos, focado no essencial!
Por Cristiana Garcia
Colaboradora da Pastoral Familiar